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Grande Artista e Goleador

QUO VADIS, FUTEBOL?

"Depois de uma semana entre Moscovo e Pequim, volto a Portugal para ver um País com um novo Governo, novas expectativas, novos anseios e novas incertezas. Afinal, a vida é feita de mudança e evolução.
Depois de refeita a minha ‘curiosidade social’, dei uma espreitadela ao nosso futebol. E, confesso sem grande espanto, tudo na mesma. Nada se altera, nada evolui, nada se integra, nada se conjuga. A mesma lengalenga de sempre. E ninguém diz nada, somos supérfluos de conteúdos e parcos de palavras. Vive-se num clima de ‘terror’. Uns porque querem ser tão populares que cometem o pecado da uniformização de respostas, quer se faça bem ou mal. Outros porque decidem colocar processos, a torto e a direito, para tentarem desesperadamente silenciar quem os incomoda.

Alguns exemplos do nosso futebol:

1 Chego a Portugal e sou brindado com uma carta do Tribunal onde o Benfica, num processo sem qualquer interesse, de um merchandising que nunca vi, alarga o espectro dos visados a mim. A estratégia agora passa por qualquer processo que o Benfica levanta ao Sporting CP me colocar, a mim, enquanto cidadão, em causa (com a desculpa de ser Presidente do Sporting Clube de Portugal), a fim de me tentar condicionar na vida profissional e pessoal. Maior baixeza apenas tenho visto em animais rastejantes. Mas isso é feito com requintes muito próprios: em vez de me fazerem notificar no domicílio profissional, colocam em documentos que serão públicos a minha morada familiar, o que acredito ser a primeira vez que é feito na história do futebol.

2 Sou confrontado com processos contra ‘tudo o que mexe’ no Sporting CP: eu, Jorge Jesus, Octávio Machado, Jaime Marta Soares… enfim, quem comete o ‘delito’ de se referir ao Benfica leva com um processo jurídico. Mas estes processos têm claramente duas finalidades:
a) Tentar escamotear o caso da caixa e dos vouchers, o não cumprimento do artigo 62.º do Regulamento Disciplinar e a respectiva condenação prevista, que é a descida de divisão, com a criação de ruído e barulho para que a opinião pública ache que também o SCP corre algum perigo de penalização similar. Esta chama-se a táctica da contra-informação: fazer muito barulho para que as pessoas deixem de se focar no essencial e comecem a ficar apenas com os famosos ‘sound bites’;
b) Com tantos processos em tribunal fica claro que a grande luta do Benfica de conquista do ‘tri’ se fica numa estratégia de conquista do ‘tri-bunal’. Como diz o povo, ‘quem não tem cão, caça com gato’.

3 A estratégia assumida pelos clubes sobre os direitos televisivos foi pública: centralização dos mesmos. Já com esta Direcção da Liga todos os seus membros votaram a favor do ‘business plan’ que previa essa mesma centralização. O Benfica foi um dos que votou a favor desse plano. Agora faz mais um ‘negócio do século’ e renega toda a estratégia por si próprio votada, colocando o futebol português em causa, e não falo do Sporting CP, pois tem contrato até 2018, o que significa que estamos serenos. Coloca em causa os médios e pequenos clubes e traça um destino de quase fatalidade para a 2.ª Liga.
A Direcção da Liga faz um comunicado ambíguo “a bem da estabilidade do futebol português” e guarda uma posição para depois da sua reunião da próxima semana. Coincidentemente, ou não, o Benfica promete explicações do negócio em conferência na mesma data.
Fico feliz de ver o futebol tão ‘alinhado’, mas fico com uma curiosidade: depois dos comunicados à CMVM da NOS e do Benfica, o que existe para explicar? Será que, afinal, esses comunicados omitiam informação relevante ao mercado, situação gravíssima, ou teremos aqui mais um compasso de espera para alinhar posições e discursos? Vamos todos ser brindados com uma conferência de “somos 14 milhões, por isso todos nos querem”, ou virão com a teoria dos bastidores que são apenas 25 milhões de euros pelos direitos televisivos e 15 milhões pelo exclusivo da BTV? Ou teremos uma terceira via de dizer que o comunicado não estava certo e existiam outros ‘activos’ envolvidos? Confesso que a curiosidade mórbida me leva a querer ver o próximo episódio. Ao estilo de novela mexicana, acho que a próxima semana vai ser recheada de ‘flique-flaques’ e cambalhotas mortais.

4 Por fim, Rui Vitória adoptou um discurso que termina sempre nos árbitros: os erros, tem de lhes ser dito que erram, estão sempre a errar, erram muito. Agora o Benfica incumbiu o seu treinador da tarefa de pressionar a arbitragem. Não chegava ter de treinar uma equipa que está em processo de conhecimento do seu novo treinador e suas metodologias, e integração de novos jogadores… dar-lhe, em acumulação, esta tarefa de pressão contínua é, na minha opinião, contraproducente. Ficam desde já novamente convidados os dirigentes do Benfica a assinar a nossa proposta de vídeo-árbitro e começarmos em conjunto a lutar pela implementação da mesma. Assim, em vez de andarmos a lamentar constantemente, seremos pró-activos. Mas acrescento hoje um novo convite: falemos em conjunto, e de forma pública, demonstrando a capacidade de elevação e de fair play do futebol português num evento onde analisaremos ao pormenor a arbitragem e, já agora, as exibições em cada jogo desta época dos dois clubes, estando este convite alargado a mais clubes que o queiram fazer. Assim todos demonstrarão que não se fala só por falar, que a linguagem não é utilizada para pressionar mas que todos apenas queremos mostrar os factos verdadeiros e contribuir para um futebol melhor.

Depois desta minha análise a uma semana fora de Portugal, vamos para a Madeira e venha de lá esse futebol, o bonito, o atractivo, o que mexe com os corações de milhões de pessoas, aquele que até ao momento lideramos!"

Bruno de Carvalho, no Jornal Record (Obrigado ao Leão do Deserto)

Não desgostei da analgia

Metralhas de Alvalade
 
"Os Irmãos Metralha são uma criação da Disney que se mobilizam para roubar a caixa forte do Tio Patinhas. São figuras engraçadas e desengonçadas, que normalmente vêem frustrados os seus intentos, porque o pato rico arranja sempre maneira de defender a sua enorme fortuna.
 

Lembrei-me deles, agora, não apenas porque o futebol, às vezes, tem muito de desenhos animados, tipo Tom e Jerry, o gato e o rato, estes uma criação de Hanna e Joseph Barbera, mas também porque no Sporting o papel que Octávio Machado, Bruno de Carvalho e Jorge Jesus querem protagonizar parece mais próximo dos Bad Boys, Beagle Boys para ser mais exacto, porque o seu grande objectivo é "roubar" o "tesouro" do ‘Tio Patinhas’, isto é, os títulos que FC Porto e, ultimamente, Benfica têm conquistado nos últimos anos. A metáfora do Tio Patinhas neste caso só se enquadra para as questões de natureza desportiva, porque, financeiramente, as caixas-fortes estão vazias, com a devida licença da nossa mui optimista ministra das Finanças…
 

Os Irmãos Metralha são três e, nas suas aventuras contra o pato, às vezes tropeçam uns nos noutros, mas nunca se desviam do objectivo: caçar-lhe a fortuna. Os "Metralhas de Alvalade" ainda não tropeçaram uns nos outros, ninguém sabe se isso algum dia irá acontecer, há quem vaticine e deseje que sim, mas ninguém tem dúvidas de que estão unidos no mesmo propósito: bater o pé ao Benfica e FC Porto. E com todas as armas que tenham à disposição, das mais inofensivas às mais destruidoras…
 

Agora na Supertaça apresentaram-se juntos e unidos, e, para já, como acontece nos "bonecos" com os Irmãos (muito parecidos e vestidos da mesma maneira), ninguém parece preocupado com questões de (maior ou menor) protagonismo. Bruno de Carvalho, Jorge Jesus e Octávio Machado são aquilo a que se chama a "estrutura" do futebol do Sporting. Bruno de Carvalho escolheu Jorge Jesus e Jorge Jesus escolheu Octávio Machado e não é por acaso que há um denominador comum entre eles: não são de "comer e calar", não são românticos, não acham que o "tótismo" (ideologia perfilhada pelos totós) dê vitórias e títulos e, por isso, já começaram a mostrar as garras, e não apenas Bruno de Carvalho que, até aqui, assumia as despesas todas e acumulava o desgaste de um elefante.
 

Na África do Sul, Octávio Machado já se havia destacado quando mandou o árbitro ‘para o c…", perante os sorrisos presidenciais, e Jorge Jesus não teve problema algum – como nunca tem – em provocar os adversários, mesmo que eles sejam os seus "queridos amigos" do Benfica, como se viu agora antes e depois da Supertaça. O próprio Bruno de Carvalho, mais escudado e protegido, mesmo ainda no "banco", consciente de que ali quem manda é mesmo o treinador (ai Jesus), já refreou os ímpetos: entre os Metralhas até parece (agora) o mais bonzinho…
 

Não foi o destino nem um acaso que ditou que Bruno de Carvalho, Jorge Jesus e Octávio Machado se juntassem e formassem a "estrutura-Metralha". Há muito que o presidente do Sporting, este presidente do Sporting, disponível para todas as batalhas, mesmo aqueles que aparentam ser mais difíceis de ganhar, tem a convicção de que é preciso fazer com o que o leão rebente com as grades onde esteve enjaulado durante anos. Ainda pensou que era possível fazê-lo como um jovem capitão a comandar um exército de soldados e um alferes. Cedo percebeu que o alferes Silva não alinhava na sua estratégia e o plano ruiu. Eram necessários sargentões, sargentões-Metralhas, que falassem a mesma língua, que tivessem os mesmos trejeitos, sem gongorismos éticos e estéticos, assim na linha antiviscôndica e anticroquética que havia distribuído mordomias a rodos em troco de quase nada.
 

Esta "representação" de Jorge Jesus perante Jonas, arrastando com ele o Benfica, não foi apenas uma manifestação de ADN. Foi também a exteriorização de uma estratégia – a estratégia-Metralha..."

(Rui Santos, Pressão Alta, in Record)

Um obrigado ao Álamo, do Leoninamente, de onde transcrevi o texto.

« Nun te preoccupá, mo je faccio er cucchiaio.»

Há um detalhe que caminha lado a lado, por vezes de mão dada, com a coragem: a loucura. É preciso ter uma vertigem muito grande pelo abismo para se ser um tipo corajoso.
 
Nesta altura lembro-me de uma história com a Itália no Euro 2000.
 
Nas meias-finais, o jogo com a Holanda terminou num nulo. A presença na final, por isso, havia de se decidir da marcação das grandes penalidades. Era um daqueles momentos intensos, cheios, grossos e pesados. Um momento que acelera o coração.
 
Os jogadores italianos estavam no centro do relvado, naquele ritual de quem se prepara para bater um penálti, quando Di Baggio teve um assomo de honestidade.
 
«Francesco, tenho medo», atirou em direção a Totti. «A quem o dizes, já viste o tamanho daquele ali?», devolveu-lhe Totti, enquanto apontava para Van der Saar. «Obrigado, acabaste de me deixar mais tranquilo», reagiu Di Biagio. Foi nessa altura que Totti se saiu com uma frase imortal.
 
« Nun te preoccupá, mo je faccio er cucchiaio.»
 
O cucchiaio não é mais do que, na linguagem do futebol português, uma panenka. No fundo Totti disse-lhe qualquer coisa como «não te preocupes, vou fazer-lhe a panenka.»
 
Ao lado deles estava Maldini, homem experiente, capitão da seleção, que não queria acreditar no que ouvira. «Estás louco? Isto é uma meia-final do Europeu», disse-lhe. Totti não sentiu o peso da acusação. «Sim, sim, vou fazer-lhe a panenka.»
 
E fez.
 
Caminhou em direção à baliza, agarrou a bola, encostou-a ao peito e colocou-a no chão. Depois fez uma panenka. Mas não foi uma qualquer: foi uma panenka linda, perfeitinha, admirável. Uma panenka com a velocidade, a intensidade e a ameaça certas.
 
Mo je faccio er cucchiaio colou-se a Totti como uma marca de água.
 
O italiano é uma figura pitoresca, homem de muitos pontapés na gramática e frases parvas como «vocês sabem que não falo inglês» quando alguém lhe atirou um «carpe diem».
 
É isso tudo sim senhor, mas também é esperto, e se calhar por isso é que lançou dois livros de anedotas: «Todas as piadas sobre Totti - contadas por mim», volume I e II.
 
Mais tarde lançou um terceiro livro, desta vez sério, uma biografia. E o que é que lhe chamou? Precisamente. Mo je faccio er cucchiaio.
 
É uma frase que define a coragem de um homem e que a mim me lembra Jorge Jesus.
 
Vamos lá ser sérios, só desta vez, prometo ser um caso sem exemplo: independentemente de ter sido ou não empurrado para fora do Benfica, independentemente de se ter sentido ou não pouco valorizado no Benfica, independentemente de o Sporting lhe ter oferecido ou não melhores condições. Independentemente de tudo isso, foi um passo de enorme risco.
 
No fundo não foi só trocar um rival por outro, dentro da mesma cidade e do mesmo tempo.
 
Foi acima de tudo aceitar começar do zero.
 
Tudo o que fez, tudo o que conquistou, tudo o que ganhou no Benfica já faz parte do passado. Está lá atrás, no reservatório da memória. Exige-se a Jorge Jesus que faça exatamente o mesmo outra vez. Como se o que conquistou não tivesse existido.
 
Vai estar à prova todos os dias, todos os jogos e em todas as provas.
 
Podia ser diferente, claro que sim. Bastava que tivesse ficado no Benfica ou que tivesse aceitado emigrar para Itália e treinar o Milan. Ou até que se dispusesse a parar um ano.
 
Mas não, Jorge Jesus tomou a decisão mais arriscada. Assinou pelo Sporting e colocou-se no olho do furacão: tudo o que fizer vai ser escrutinado e as exigências são enormes.
 
Para ele vai tudo começar do zero outra vez: não o consigo dizer de outra forma. Tem de ganhar, como se nunca tivesse ganhado nada. As expetativas são enormes.
 
Há mais do que os pontapés na língua a ligar Jorge Jesus e Totti, portanto. Há a coragem: é preciso bravura para tomar uma decisão destas. O que fizer vai definir a carreira dele.
 
As qualidades técnicas de Jorge Jesus são óbvias e já escrevi sobre elas aqui.

O que quero destacar agora é este temperamento, esta ousadia, esta tenacidade. Os sportinguistas podem ficar por isso tranquilos. Por muitas dúvidas que tenham, há uma coisa que não podem questionar: a valentia do treinador. É seguramente um homem corajoso, um destemido, um líder.
 
À sua maneira, acabou de fazer um cucchiaio num daqueles momentos intensos, cheios, grossos e pesados.
 
Uma vénia, portanto.
 
Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol

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