A inteligência ao serviço do jogo
A opinião generalizada que se instalou no universo Sportinguista quanto à inutilidade de André Martins não tem em mim qualquer tipo de influência.
Já várias vezes aqui defendi a utilidade de André Martins no plantel do Sporting, com a particularidade de achar que lhe tem sido quase sempre destinada uma função que 'pede' um jogador com outras características.
E Paços de Ferreira jogou na sua posição e ocupou no campo espaços mais adequados às suas capacidades e inteligência.
Sim, em inteligência, Martins é o melhor dos médios do Sporting. Porque entende o jogo como ninguém e não 'faz por fazer'. Faz por dar a melhor sequência possível aos lances, resolvendo colectivamente os problemas e não individualmente.
Fá-lo por dois motivos: por que o rasgo individual não é o seu forte e porque, ao fim e ao cabo, o futebol é uma modalidade colectiva.
Ontem, o Roberto Baggio no blog "Lateral Esquerdo" voltou a abordar o tema André Martins.
Passo a transcrever:
"Um novo tipo de raciocínio é essencial para o futebol português sobreviver, e atingir patamares mais elevados. A frase adaptada foi dita por Albert Einstein há mais de cinquenta anos, mas não podia ser mais relevante do que o é hoje. E o novo tipo de pensamento passa por mudar completamente a forma como se olha para o jogo. Se antes se olhava para o jogo de uma perspectiva individual, onde a valia de um jogador podia ser medida em quantidade pelo resultado directo das suas acções individuais (sucesso-insucesso), hoje não se pode medir essa valia em quantidade porque as acções não têm um resultado imediato. Ou seja, as acções são qualitativas e o resultado só se vislumbra, normalmente, no final da jogada. Como é que se mede a presença de um jogador em campo, se não se percebe que um passe de primeira para trás, quando a bola não vinha em boas condições, e quando ele estava pressionado, permitiu a equipa não só manter a bola, como dar a possibilidade de atacar em melhores condições através de outros interpretes? Não se percebe, porque o que se quer é que a cada lance - ou na sua esmagadora maioria - o jogador resolva individualmente problemas que podem (devem) ser resolvidos colectivamente. E a chave de tudo é isto: o jogo é mais colectivo que nunca. Logo, a maior parte das acções são qualitativas e como tal não podem ser medidas em quantidade. Um passe nas condições citadas, nunca vai aparecer como lance chave ou como acção a destacar. Mas é deste tipo de acções, que não têm destaque, de que mais vive o melhor futebol - o futebol de hoje.
Olhando para o futebol como no passado, dirão que André Martins não arrisca. Ignorando tudo o que ele permite ao colega, aos colegas, à equipa, com a sua segurança. Olhando para o futebol como ele deve ser visto hoje, percebe-se que não arriscou porque o risco de perder a bola acarreta consequências piores do que jogar em segurança. E essa acção não se esgota no resultado dela mesma, mas sim em tudo o que pode dar no futuro: a possibilidade de um novo ataque em melhores condições do que se tivesse optado por uma acção de risco. A capacidade de perceber a importância de um passe para trás, e tudo aquilo que ele significa para o jogo, a capacidade de entender a situação de jogo (passe de recepção difícil, e ainda para mais com pressão a vir nas costas) e a solução encontrada pelo jogador, é o caminho para mudar o nosso futebol. A qualidade com que um jogador se relaciona com colegas - aquilo que lhes permite de cada vez que lhes entrega a bola, as soluções que lhes oferece sem bola - é o atributo mais importante do futebol actual, e é o talento mais necessário para se despontar no futebol moderno. E esse talento que ninguém consegue ver, esse talento que é de forma recorrente marginalizado pelo futebol pragmático de Portugal tem um nome: inteligência. E marginal o continuará a ser... Porém, de marginal a relevante vai um jogador como Busquets que um dia precisou de um treinador como Guardiola, ou um jogador como Guardiola que um dia precisou de um treinador como Cruyff."
Eu, não podia estar mais de acordo.
Não que eu goste especialmente do que é apelidado no texto como "o futebol de hoje". Não gosto. Demasiado táctico. Extremamente estratégico. Sem rasgo. Sem magia. Tudo parece um conjunto de acções mecânicas como se de uma produção em série se tratasse.
Mas, a verdade, é que a inteligência de André Martins cai que nem uma luva no tipo de futebol que hoje se pratica.
E sim, merece mais do que meros 15 minutos em campo.